Emissão de debêntures lastreadas em créditos tributários do município de Belo Horizonte pela PBH Ativos S.A fere a legislação brasileira e onera gerações futuras.
Por Eulália Alvarenga
Dicionário:
Debênture: título de dívida emitido por empresas e que geralmente tem vencimento de 1 ano. Dá o direito de crédito sobre a companhia emissora, sendo assim, quem investe se torna credor dela.
Em 25 de novembro de 2010 foi aprovada no Município de Belo Horizonte a Lei 10.003 criando a PBH Ativos S.A, uma sociedade de economia mista dita “independente” do Tesouro Municipal. Os acionistas iniciais foram, segundo a Ata de Constituição de 29 de março de 2011, o Município de Belo Horizonte, a Prodabel, a BHTrans e pessoas físicas ligadas diretamente a administração municipal.
Com base em um estudo realizado sobre o ingresso de capital na PBH Ativos S/A foram constatadas diversas irregularidades e um processo de transferência do patrimônio público do Munícipio de Belo Horizonte, para uma S/A, sem o atendimento dos princípios que pautam a Administração Pública, dentre os quais se destacam:
- Moralidade
- Publicidade
- Transparência
PBH Ativos S/A e os lançamentos de debêntures
Este artigo tem por objetivo descrever e analisar os aspectos mais relevantes com relação às operações de lançamento de debêntures lastreadas em créditos tributários e não tributários.
Devido à maneira pela qual está estruturado o lançamento das debêntures (somente com créditos parcelados), acredita-se que, na realidade, o lastro é composto somente de créditos tributários, principalmente aqueles realizados através de REFIS.
A irregularidade vem desde a realização de pregão presencial feito pelo Município de Belo Horizonte (e não pela S/A), através da Secretaria Municipal Adjunta de Gestão Administrativa–SMAGE, subordinada à Secretaria de Finanças.
O objeto do pregão foi prestação de serviços de assessoria financeira para estruturação, emissão e distribuição pública de valores mobiliários lastreados em direitos creditórios autônomos originados de créditos tributários ou não, parcelados, a serem cedidos pelo município à PBH Ativos S/A.
Ressalta-se que os créditos cedidos foram somente os parcelados. Ao transferir informações sobre créditos tributários para empresas o município fere a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional no que se refere ao sigilo de informações.
Há várias dúvidas sobre o processo de licitação, e uma delas recai sobre a modalidade permitida para a contratação desse tipo de serviço (foi realizado pregão presencial). Além disso, não há como fazer o controle sobre as condições de habilitação (sujeitas à Lei 8666/93) porque o Edital não está disponível para a sociedade, ferindo os princípios constitucionais de publicidade e transparência. Ressalta-se que foram dedicadas muitas horas de pesquisa em sites.
As debêntures lançadas pela PBH Ativos S/A foram emitidas em duas espécies:
- Subordinada: sem lastro e entregue ao município
- Com garantia real: lastreada em créditos parcelados pelos contribuintes
O risco para o município com a operação de cessão de créditos é enorme por duas razões principais
Uma porque o município receberá somente debêntures subordinadas e, duas, porque em caso da liquidação da emissora (PBH Ativos S/A), o município terá direito sobre o que restar do ativo permanente, enquanto as debêntures com garantia real são entregues a seletos investidores.
Eles são escolhidos sem nenhuma transparência, com rendimentos altíssimos (11% a.a aplicados sobre o valor nominal, atualizado mensalmente pelo IPCA, o que representa mais de 23% a.a, além do que é pago a PBH Ativos S/A mais outros custos ) com garantias de créditos parcelados e do município.
Apuramos também, através dos documentos analisados, que a emissão de debêntures com garantia real não está sujeita a qualquer controle da CVM ou da ANBIMA. Para ter ideia do volume do negócio, em abril de 2014, foram emitidas debêntures subordinadas no valor de R$880,32 milhões.
Em outras palavras, o município repassou créditos parcelados neste valor à PBH Ativos S/A e está obrigado a compor o fluxo de pagamento dos créditos parcelados se os devedores (contribuintes) ficarem inadimplentes por mais de 90 dias.
A operação inviabiliza a sustentabilidade financeira atual e futura do Município de Belo Horizonte, tendo em vista que as receitas (parceladas em dívida ativa ou espontaneamente) entrariam mensalmente no “caixa” do município (em 60 meses ou no número de parcelas escolhidas pelo contribuinte).
Essas receitas são repassadas para a PBH Ativos S/A sem nenhuma transparência dos custos devido ao formato utilizado.
PBH Ativos S/A x Município de BH
O ato de realizar operações lastreadas em créditos tributários já foi julgado ilegal pelo Tribunal de Contas da União – TCU, em 17 de dezembro de 2014 (leia aqui), quando o órgão decidiu que a emissão de debêntures tem a mesma natureza das operações de créditos. No mesmo sentido há diversos pareceres da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional-PGFN (leia aqui).
A operação realizada pelo Município de Belo Horizonte não foi somente uma transferência de créditos, que, nesse caso, significaria que o município vendeu os créditos e recebeu por eles – expediente que também seria ilegal. A operação com a PBH Ativos S/A é mais complexa porque o município tem a obrigação contratual de repor o fluxo financeiro em caso de inadimplência dos contribuintes por mais de 90 dias.
Há outro agravante na cessão de créditos à PBH Ativos S/A, o município recebe debêntures subordinadas, sem lastro, e pode levar até 9 anos para seu recebimento, caso tudo ocorra dentro da normalidade.
A abrangência desse modelo é nacional, e utiliza o Município de Belo Horizonte como exemplo.
Para tentar amenizar a ilegalidade foi aprovada no Senado Federal em três semanas a Resolução no 17 (leia mais), publicada em 11 de novembro de 2015, que permite esse tipo de operação ao arrepio da Constituição Federal, de Leis Complementares, de Pareceres Técnicos da PGFN e de Decisão do TCU.
Quais os interesses em jogo?
Já existem questionamentos de entidades (dentre elas a Auditoria Cidadã da Dívida) ao TCU, ao Senado e a vários outros órgãos públicos, cabendo inclusive ADIN, pois esta Resolução fere a Carta Magna.
Não há democracia ou mesmo Estado Democrático de Direito sem que as instituições avalizadas por esse Estado trabalhem com transparência e honestidade. O trato com a coisa pública é mais que simplesmente tratar os cidadãos como mercadorias. Belo Horizonte precisa se desenvolver? Sim, entretanto sob o manto da Constituição e da Justiça Social.
E, ao final, todos pagam o alto custo social dessas administrações que evidenciam a irresponsabilidade fiscal e gestão temerária porque esse modelo está sendo “exportado” para vários municípios do Brasil, sob a justificativa falaciosa de recuperação de dívidas ativas.
Eulália Alvarenga é Auditora Técnica de Tributos Municipais, aposentada, economista, especialista em Direito Tributário e Gestão Pública, militante do movimento Auditoria Cidadã da Dívida.